quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Fiat Lux

Passei a tarde em músicas invernais,
Nas obscuridades carnais 
Que as cinzentas chamas atraem.
Mas percebendo o amarelo das coisas, 
Descobri o sol que há em mim.
De noite eu saí dançando pela rua: 
Pulo, canto e rodopio nua como a lua, 
Nua da casca que me separa de ser sua
Noite, brilho intenso estrelado que flutua 
Sobre a cabeça, brisa mansa e quente que atua
No meu peito, esmagando a vida crua 
E explode, aflora a vida que estimula 
Me crava ao chão como erva que atura
A imensidão sobre a cabeça nula.

(GB - 20) 

Toque uma canção em dó
Toque em mim com dó
Dó maior
Maior que eu 
Pra eu chorar 
Em fá
Me faz carinho 
Até que o sol abra a canção 
Aqueça o coração que deu ré
Você diz que não sei cantar
Diz que não sei tocar
Então toque em mim 
Que eu danço em ti
Não me tire a canção
Que ainda toca aqui
Cite Saramago 
Sara minha magoa 
Aqui tem muita lágrima 
Termine a canção em la 
Diga que ainda sou bem vinda lá
Dentro de si 
Musique-me 
Musical-me
Acalme-me
Me mime
Mi

(GB - 20) 


Meu Coração Vagamundo

Queria acordar todas as manhãs 
E levar o mundo pra passear.
Mas aí meu coração explode,
É amor que esmaga,
Empurra,
Cutuca,
Atiça,
Pesa carregar nas costas.

É muita cor pra sentir
É muito cheiro pra usar,
São muitos sons pra encenar
E muitos ritmos pra entrar,
São muitos gritos pra andar, 
Imagens pra discutir,
Assuntos pra captar,
Pessoas pra entoar, 
Rezos pra ajudar,
Portas pra cantar,
Estradas pra dançar,
Países pra pintar,
Tintas pra conhecer,
Histórias pra contar,
Filmes pra comer,
Livros pra digerir,
Instrumentos pra plantar,
Sabores pra tocar,
Terra pra cozinhar,
Palavras palavras e mais palavras,
Qual gastar?

Minha casa explode, 
Trago tudo pra dentro
Depois me lembro do tempo
Que não segura
E tudo joga porta a fora.
Eu sofro,
Há pouco tempo no mundo,
Há muito amor em mim,
Amor agudo
Amor de agulha
Amor pesado.

Voam até mim, 
Flechas banhadas com venenos 
De todos os ventos,
Espetam alma faminta
E infectam todo meu ser 
De tanta vida
Que quase não cabe aqui,

Que transborda de mim. 

(GB - 20)

Eufagia

Visceral.
Bicho que come,
Percorre caminhos 
Sob a pele,
Fúngico insalubre 
Se alimentando do que estava parado.
Regenerando o sistema,
Come a morte celular
E a luz, ao penetrar, 
Mata, empurra de volta pra terra.
Enterra
O que estava no caminho do vazio,
O que bloqueava a energia aquosa.
Eufagia mórtula que nasce na ínsula 
De estar a regenerar
E me comsumir de dentro pra fora.  
Fora
Dentro
Eu 
Mundo
Universo debaixo das unhas,
Casa de bichos,
Bolsa sangue,
Rio de água,
Éter de fogo
Cravada na terra,
Gravada no eco,
Preenchida pela vento.
Estoura,
Abre,
Expande caminhos.
Outras portas, faz túneis 
Em lama quente
Como os bichos
Debaixo da pele.
Se alimenta do próprio caminho
Em si

Até si mesmo.

(GB - 20) 

Jasmin jaz-me

Quero morar em um lugar onde o dia amanheça com o cheiro do orvalho na lavanda, meio dia o sol cheire a chocolate, entardeça com cheiro de canela e anoiteça com cheiro de jasmim estrelado. Que o céu sempre esteja aberto com pêndulos estrelares para que eu os possa ligar, juntando os pontos. Toda noite terá damas da noite pelo jardim, brancas como a lua que brilha ouro e prata, magnetizando o profundo com flechas Artemísias. Que os vagalumes confundam os meus sentidos até eu não saber se são as estrelas, faíscas da fogueira crepitando no quintal ou os plânctons, sem saber se estou no mar, no céu ou na Terra. Que som de grilos e sapos acompanhem o som do piano e do acordeom tocando lá dentro. Que a grama, flores, árvores e trepadeiras tomem conta de tudo. Que se possa correr na chuva com um vestido branco esvoaçante pisando com os pés descalços nas poças de água e nas amoras que caíram do pé. Cheiro de chuva, como no fim do mundo. Que depois o céu exploda nas multicores do pôr-do-sol e do arco-íris. Que tenha água, muita água... mar, rio, cachoeira brilhando o dourado do sol e carregando, na corrente, lírios de Oxum... e musgos! Musgos e cogumelos crescendo em troncos de árvores, nas pedras e nos muros. Verde, muito verde. E marrom. Que a casa cheire a lareira, e cedro. Que o canto de pássaros dure até a hora da luz do sol desistir de abrir caminhos entre as árvores e descansar sobre as folhas secas, e que então, seja substituído pela voz de corvos, corujas e morcegos. Que tenham anões de jardim que conversem e brinquem com meus filhos, meus netos e que este seja o gosto de lar e nostalgia para o resto de suas vidas. Que o mundo acabe e eu dance e cante... dance e cante até cair na grama alta ouvindo o barulho da água do moinho, com o sol penetrando a pele. Até o escuro tomar conta dos meus olhos, da minha pele enrugada, do meu pulsar perdendo o ritmo e dos ossos já enfraquecidos. Que os animais se aproximem para ver o corpo etéreo que escapa, voando com a brisa quente. Que meu corpo retorne, entre, crave o chão até que já não se saiba o que é musgo e o que é unha, o que é cabelo branco e o que é dama da noite. E que a música continue e agora a alma dance.

(GB - 20)