quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Corpo caloso
Inter-hemisférica
Direta indireta
Direita esquerda
Ânima ânimus
Complementária
Lua Sol
Cono falo
Mar lago
Vulcão tempestade
Caçador jardineira
Genitor genetriz
Terra céu
Barca vela
Taça pirâmide
Vênus marte
Yin Yang
Água seca
Fornilho tubo
Semente adubo
Cria ação
Tese e antítese:
Toda criação vem da contradição
E a percepção também.

(GB - 23)

Apesar de você

Foi quando o desenho aquarelado 
Que o sol pintou na areia molhada
Com as luzes do céu-mar
Formando o tal do beijo azul
Rosa, amarelo, laranja
Arco-íris,
O primeiro beijo do ano 22,
Nasceu a epifania:
Há vida!

Nasce
Apesar de
Nasce da lama
Do caos
Do barro
Dos orifícios
Dos buracos
Dos cantinhos
Dos caminhos
Dos concretos
Surge
Pulsa
Em todos os seus ruídos

É bicho
É gente
É urgente
Um tanto ameaçada
Mas sempre emergente
Resistente
Avassaladora

Vibra
Apesar de tudo 
A vida ainda vibra!
Em cada aresta
Em cada fresta
Em cada passarinho
Em cada amanhecer
Em cada anoitecer
Em casa entardecer
Em cada ser.

Um pedido:
Que as mortes sirvam de alimento
À vida faminta
Nesse momento 
E o caos reorganize
Cada fragmento
De alma devastada.

(GB - 23)

Improviso em papel surpresa

Vento que venta minha ventania
Como cortinas meu estômago revira
Aos olhos teus a faiscar-se
Centelha dou da faísca à pele
Que pelos pelos ateia brasa
A ao ar quente viro fumaça
Que habita o peito nas manhãs de verão
A boca molha
A pele enrola
E tu amola minha visão

(GB - 23)

Abre

Vontade latente nos dias
Que aparece súbita
Insana
Voraz
Rápida 
Mas se demora:
Um abraço,
Só um abraço
Pra sentir pelo toque,
Meu corpo,
E o senso de humanidade.
O outro como medida
Das minhas periferias,
Mas não dos meus limites.
Abraço não limita,
Abre alguma coisa aqui dentro,
Que preciso pra sentir que vivo.

(GB - 23)

Em Or/ação

Quero me dar de presente
Um doar-me inteira pro presente
Uma foto com os olhos
uma captura em suspensão.

Assim, algumas palavras espiam a mente
jogando no verbo o que está apodrecido.
O ar, enchendo o corpo, o esvazia
de tudo o que não for
Tudo o que é: eu e hoje e o vento
O resto não é

Um sussurro claro do tempo
Que só diz coisas de agora
Eu é que teimo em ouvir passado
Ou ver projeção
Assim aprendo a dirigir a expectativa
Que é veículo que move
Ou atropela quem o próprio conduz

Tempo me ensine a ser pó
Pó estelar
Tempo não quero ter dó
Dó de ficar
Em mim
Tempo eu tô aqui
Como poderia não estar
Se você me embala?

Tempo não quero ansiar
Nem desesperar
Quando não te olho em mim
Sinto que não tenho lar
Tu me trouxe aqui
Passageira de mim
De tempo em tempo
Fico a te admirar
Haja tempo pro tempo abraçar
Tu que me deu de presente
O presente estar
Não quero mais apressar

O que me ajudou a criar
Quero te entregar
Assim estou a me recriar
A cada hora que a vida me revirar
Instantes, fragmentos, fagulhas
Tua calma divina e não linear
Me ensina a só ser
Ao compasso de não precisar
Ser nada

(GB - 23)

Amorecer

Quero amor que não custa
Mas que pede, gentil, pra ficar.
Que pouse aos poucos como pôr-do-sol,
Que arrepie leve como brisa de verão.
Que é gostoso,
Que é quentinho,
Que é refrescante.
Te quero leve em mim.
Que me leve.
Aquele amor que se demora.
Amor onde se perde a noção do tempo,
Que siga a não linearidade,
Que não quebre expectativas,
Nem quero expectativas.
Quero amor que é
Onde como tem que ser.
Amor que aparece quando quer
Porque é quando deve
E que quando some, ainda tá aqui.
Não quero amor viciado,
Amar desesperado,
Não quero amor que me engula,
Mas que eu engula.
A degustar,
Com calma agridoce.
Quero amanhecer em amor
Quero amorecer.

(GB - 23)

Pele

Me vejo pisando no mundo,
trocando com o mundo,
tocando o mundo
falando com o mundo,
de fora a dentro
por poros que se espalham
e de dentro a fora
pelos pelos que me penetram,
transbordando como plantas
que emergem da terra.

Manta da vida sensorial,
é, ao mesmo tempo,
limite e canal.
Se espicha, se encolhe, se escurece, se avermelha,
absorve, expele, respira,
transborda, transporta, transpira,
transcende pelo arrepio.

Essa capa capta e transmite informação.
Que abrigo é esse que habito?
O que fala sobre mim?
Clara, escura, pintada,
seca, dura, melada,
oleosa, suada, molhada,
áspera, rochosa, suave,
eu macia e tantas outras maneira de ser.
Buracos, pelúcias, botões de prazer,
entrada pro eu, saída pro seu.

Orgânica parede movediça que,
casando com a alma,
se tornou a casa do eu.
Assim fez-se sentido o toque
e minha identidade.

(GB - 23)

8M

Hoje minhas ancestrais gritam,
saem dos túmulos,
pegam suas rosas
e jogam no chão.
Banham tudo de vermelho
Jorrando suas luas enquanto invocam
bruxas, ciganas, macumbeiras,
curandeiras, freiras, putas,
Deusas, ninfas, Medeias, Medusas,
Liliths, Evas, maçãs,
as mães e suas filhas.
Se vocês nos dão rosas
Vocês nos chamam de enterro,
mas já morremos sangrando todos os meses.
a cada semana
a cada dia
a cada 2 horas uma morre
a cada 4 minutos uma apanha
Cis ou trans.
Pegaremos o fogo que vocês
usaram para nos queimar
e com ele vamos recriar.
Saíremos nas ruas
onde já fomos impedidas de habitar,
serpenteando e sibilando
Como os ventos de Oyá.
Agora não tem mais volta.

(GB - 21)

Terapia de auto-serenata pandêmica: sem paixão e ninguém além desse corpo pra ocupar pensamentos e buscando viver o tal do tão dito amor próprio de isolamento solitudinal, pra não colapsar comigo, ando me permitindo, sem medo de parecer louca aos meus olhos, ouvir todas as músicas românticas sob o ponto de escuta de um diálogo interno de mim pra eu mesma. Estranhamente todas as músicas fazem sentido, principalmente as de decepções amorosas e abandono. E de repente eu me vi assim completamente seu, sem você não há caminho eu não me acho, descabelada, diva, súbita, se você for embora vou virar mendigo, eu vou bater de frente com tudo por ela, topar qualquer luta, pelas pequenas alegrias da vida adulta, eu posso ver o que tem dentro de você e te dizer o que existe em mim. Não vou mais fantasiar declarações ou desabafos de verdades do amor pensando em outrem. Eu me faço tudo isso por mim.

(GB - 23)

Gire, Pomba!

 Coisas que minha Pomba Gira me ensinou:

- O profano é sagrado. O cemitério é templo. Decadência e morte como potência.
- Rir, rir e rir. Rir com as sombras. Rir como demônia. Rir de mim. Rir comigo.
- Não ter medo de ser ridícula, não ter vergonha do ridículo.
- Ser prazer, me dar prazer.
- Sombras, demônios e fantasmas também podem ser deuses.
- Quando tudo parece desabar, ainda posso brincar. Criar uma outra de mim que ri, que é sensual e que dança com o caos.
- Fantasiar é cura, equilibrando em água criativa o excesso de ar que espeta a mente.
- Ouvir a mim mesma. Ouvir meu corpo.
- Ela não tá aqui pra amarrar, mas pra liberar, afirmar, empoderar.
- É necessário morrer pra renascer.
- Ser a rainha dos cemitérios é aprender com a morte como renascer e viver.
- Ser a estrela dos bordéis é não precisar de aprovação masculina, sendo dona do próprio corpo, do próprio gozo e da própria gira.
- Ser a cigana das adivinhações é saber que não se controla o tempo nem o futuro.
- Ser a mestra das encruzilhadas é ter o poder de abrir caminhos.
- Ser a diaba é entender as próprias prisões e usar o riso pra se libertar.

(GB - 23)

Esse constante querer ser faz com que eu não veja o que já se é. E aí sinto que nunca sou. Auto engano. Quero aprender a não comparar mais importâncias. Ser grande é de dentro pra fora e não de fora pra dentro. Pra ver, tem que aprender a mergulhar na pequena grandeza e saber que tem um lugar, tem um espaço ali, que ela cabe. E isso tem que ser o bastante. O que cabe desse pó de estrela, no espaço-tempo do mundo é tão pequeno e grande quanto todos os outros pós de estrela. Não mais, nem menos, porque o destino é sempre o mesmo. Vou morrer insignificante como a maioria de nós. Alguns foram vistos maiores do que a grandeza que cabe a maioria, em comparação arbitrária. Aprendemos na escola que poderemos ser vistos assim também, se nos esforçarmos, nem que seja depois de morrermos, como Van Gogh. Não. Não enganem nossas crianças. Falemos pra elas da importância de ver e admirar o mundo que cabe a elas e não querer ser o que coube a apenas alguns. Falemos pra elas sobre aquela nossa importância que quem carrega somos nós e os nossos e não o mundo. E isso é o bastante sim. A importância tá na terra que é e não na tela que mostra. Porque, se esse nosso micro planeta é o mundo pra nós, minha nano importância pode ser o mundo pra algo. Que não julguemos importâncias pela aparência. Que não soframos pela frustração de não sermos um mundo que não nos cabe carregar. É muito mais pesado exigir um mundo fantasioso de si do que carregar o mundo que você tem pra ser. Se não, viveremos eternamente não cabendo em nós mesmos. 

(GB - 23)

Vazante

a falta. e um querer ser vaso e planta. porque sendo vaso e planta só posso aceitar ser abrigo de mim. muda. vaso de muda. não a que se muda, a que se cala. emudecer-se é se tornar planta que jovem, aprende. agir em natural e indiferente quietude e uma quase imobilidade de quem só se curvar diante do tempo e estica-se diante do sol. a raiz que não tá no chão. às vezes me sinto como terra acomodada, descansada naquilo que me disseram ser casa enquanto na verdade estou flutuante num além-território. e é mais pequeno do que deveria de ser. Eu-vaso.

Ego

Ter o que comer da própria cabeça.
Tinha céu em mim e céu no cosmos.
Estava observando e absorvendo a impermanência
Quanto mais nego o ego
Mais ele me assombra e me domina.
Quanto mais tento capturá-lo,
Mais ele foge e se esconde.
Quer ser dominante
E aí vejo rastros por aí.
O problema é quando já não sei mais 
O que é ele e o que não. 
Mania de perseguição
É quando se é a perseguidora
e a vítima de si mesma.
Haja salvadora em si pra achar. 

(GB - 23)

Narcisa

Narciso que todos somos,
quando tenta não ser espelho
Se perde até das sombras de si
E aí não beiras nem margens
Pra se adentrar a conhecer.
Olhar sem medo
Pro espelho outro
Pro espelho mundo
E ver o que vê ali
Sem negociações
Sem abreviações
Crua no espelho do mundo.
Nua pra saber o que é teu e o que não.
Narcisa quando tentou não ver espelho
Sabe o que houve?
Um grande não-houve.
Narcisa quando quis ser espelho só bonito,
Sem sombras
Sabe o que houve?
Um grande não-ouve
Do outro e de si.

(GB - 23)

Dor

O tempo é o palco do encontro 
entre você e você mesma.
A sabedoria mansa e ansiosa do tempo
é vento que sai arrancando ferida 
e dói cicatrizar.
O silencio é a voz do cumprimento 
e do comprimento
entre você e tu mesma.
O silencio está a registro do tempo
que está aqui
não lá
nem no outro
nem na tela
aqui
a pesar
apesar
de ser denso e pesado
é banho de água fria
lento
e que dura
muito
muito
e dura
e cada milésimo de segundo é sentido
na mesma intensidade
a frieza que assusta
é susto constante
rigidez
quanto mais rígido mais se esgarça
a duração flexibiliza
trazendo clareza
exatidão.
Não tem nada dentro
não tem nada fora
sentir o vazio que assombra é dor
dói porque não há
as incertezas doem
e doem mesmo
por mostrar que não há controle
e não há nem sequer medida de comparação
para o quanto de descontrole há
em não controlar o tempo e o vazio
porque a dor em si tá em saber
que de nada tive ou tenho controle
assusta
é como parto
o nascer
sendo o maior de todos os traumas
imagina nascer o tempo todo?
o peso da fragmentação e da elasticidade que isso tem
o tempo é uma grande vagina
a de um deus que é homem
soberano
pesado
frio
e quente
fogo e brasa
que gela
respeito ou temor?
não queria precisar temer
pra aprender a respeitar
mas no fim das contas é uma escolha temer
me sentir pequena diante da realidade que me assombra
SABER BAIXAR A CABEÇA AO TEMPO
aprender a baixar a cabeça ao tempo
aprender a baixar a caber ao tempo
experimentar a dor do descontrole
dor de estar parindo e nascendo ao mesmo tempo
a cada segundo
o banho de água fria de novo
ai!
DÓI
abrir os olhos dói
luz grande e forte que te cega
é dessa forma que encaro o sol
e tiro as roupas
e tiro as vestes
e tiro
dói
ver o sol
e queimar o corpo nu
viver dói.

(GB - 23)


Sacerdotiza

Quando achar que está ficando louca,
Fuja pra si.
Desatinando, desatando nós,
Só.
O que fui ou fiz não me define, 
O que faz parte de mim não me define, 
Constrói, melhora, avança.

Pra escapar da solidão, rio com as sombras.
Dói. 
É como arrancar curativo.
Como medicina. 
Prefiro ser louca e bruxa.
Bruxas são completas, inteiras, 
Cada parte, cada canto 
Em constante transformação,
Em expansão e contração. 

Dentro, vejo o que me pertence 
E o que não. 
Monstra e amor. 
Terror, vulcão e flor. 
Prefiro ser. Prefiro. 
Metamorfose, várias. 
Culpa não cabe.

Entre todos os buracos escuros e empoeirados, 
Isso de ser eu, é meu lar.
Como a sacerdotisa,
Aquela de frente ao portal do dois.
Yin e Yang. 

Tão completa em si. 
Ali se encontra, 
Se acomoda,
Espera.
Observando, sem expectativa, 
O tempo. 
O Templo
É si mesma. 

Limpa tudo o que vai, 
Guarda tudo o que fica. 
Sem apego. 
Só estando. 
Completa em si. 

(GB - 22)

Simbiose

Guia, o que me contas nesse círculo? 
Aprendendo a ser água 
Enquanto tenho raio como proteção
E vento como caminho. 
Ser  lua não é negar voz
Não é abraçar sem olhar a que, 
É saber ver que há espaço
Porque há limites:
As margens do rio.
Pegando carona pelo vento,
Vem trovão pra soltar garganta
E para queimar o que não é maresia.
Pé na terra pra cria o chão
Que me nutre enquanto a nutro
Simbioticamente.

(GB - 22)

Meu querido Belzebu

 

Qual a pitada de psicodelia necessária?
Pra se desconstruir 
Pra se refazer
Encarando demônios de olhos coloridos
Numa dança vibrante
Demônios e crianças
Diabos
Chamo-os Deuses, 
Demônios são Deuses.
Uma dose de psicodelia
Pra sobrar calma em ventania.

(GB - 21)

Esfinge

 

Um pouco pro santo,
Um pouco pra crença,
Um trago nostálgico.
Bênção da cabeça aos pés.
Escorro sangue no couro 
Já não mais cabeludo,
Apenas em pensamentos,
Sangue que pari
Junto com ervas que colhi
Pra alimentar as cascavéis,
Uma comendo a outra,
Comendo os próprio rabos entrelaçadas.
Sangue na garganta 
Pra molhar a palavra,
Não abortar a fala
E recriar.
Sangue nos seios para pertencê-los a mim,
Para alimentar à mim e ninguém mais,
Enquanto sou filha desse corpo.
Água quente nos pés
Pra tirar o calor do pensar
E levar pro caminhar.
Penetração de vapor
Entrando pelo meu portal,
Apagando o fogo do ventre
Que limpando, escorre
Igual a lágrima que estava seca.
E disso eu renasço
Olhando pros meus monstros,
Me levando ao meu deserto,
Me deixando nua, também de pelos.
Espaço em branco,
Com o sol queimando a face.
Nos pés a água é salgada,
Na vul(va)gar a água é azeda,
Na cabeça, seios e garganta,
E na cabeça dos seios da garganta, 
O cheiro é de flor e ferrugem.
Me transformando camaleônica 
Num rapto profano
De mim mesma,
Viro minha esfinge
Readaptando-me à mim.

(GB - 21)