terça-feira, 24 de outubro de 2017

Vulcão

Vulcão
Que me incendeia
A própria inquietude.
Tua liberdade venerável,
Quando intacta,
Prende a minha
E me impede de traduzir por nós 
Os nossos nós.

Tão parecido que não entendo
Igualmente incompreensível
Oposto complementar.
Complete-me
Preencha-me 
Incendeie-me
Fugaz e veroz
Ao seu modo de ser
Juventude.

Na inconstância de ser ar,
Alimento teu fogo insólido
Que crepita e me seca
Da certeza de onde pisar.
Apenas tateio,
Mas ao medo de entrar,
Fico a me tentar
Com a ideia do recíproco:
Meu novo fetiche.

Prometeria não deixar
Nossos astros imóveis 
Se me permitisse,
Em delicadeza,
Abrir
O que me move.

(GB - 19)

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Corpo

É santuário
É casa
É abrigo
É janela de expressão da alma

Na latência, é fluxo
Na pele, é calma
Na inspiração, é recepção 
Das sensações do mundo
Na expiração, é fonte
De calor e expressão

Não é padrão
Não é prisão
É movimento

(GB - 19)

Tropeço

Tempo 
Segure meu tornozelo com sua corda bamba
Balance
Balance
E me jogue de volta para trás.

Só queria sentir o sol penetrar mais uma vez
Só queria cuidar dos poros
Do meu abrigo,
Minha embriaguez.

Vento me ajude 
A não ficar à deriva na liquidez desses dias,
Me falta o ar. 
Sou aprendiz e peço à fluidez do instante
Que me leve
Até onde a brisa me alcance.

Respire fundo e me ajude 
A não me esquecer de mim,
Se não, tropeço em mim mesma
Pelo passo em falso.
Peço desculpas, meu amor, pelo ato falho
Mas em tempos bêbados é difícil se manter sóbria.

Música me ajude 
A desabrochar os versos que desfiz.
Céu me ensine 
ler seus poemas e me guie
Para eu não me perder novamente 
Em mim
Até que as sutilezas me preencham
De poesia outra vez.

(GB - 19)

Arma

Olhos passivos à noite e ao dia,
Pés na terra ou no concreto da esquina.
Em cada beco estaciono o olhar,
Em cada pôr do sol 
Puxo o lençol 
Para cobrir a vergonha 
Ou a insônia,
Ou para sufocar o medo capital
Que pode ser cruel 
Pra quem não bebe o féu
Da superfície.

Metropolio insegurança
Diante de olhos, de face, do ferro frio
Dos que querem roubar nossa música, 
Nossa noite, nossa ingenuidade,
Nossa força de vontade.

Da insatisfação ao seu gesto 
Indigesto.
Aqueles que precisam de conforto
Ao se depararem sóbrios com a realidade
Monopolizam
Na capital caótica, colérica
Onde caminha por embalos
No pêndulo da indiferença 
O ser humano que desiste
Que o ser humano des existe,
O ser humano diz que existe.

(GB - 18)

Macro

Tudo em azul e branco,
Laranjado e cinza, 
Pintando-se ia.

Entre o agito 
Das asas de pássaros 
E de homens, 
Agitando-se ia. 

Entre corridas 
E saltos alegres, 
Suas nuvens, 
Mais rapidamente iam. 

Entre lençóis pendurados 
E folhas verdes, 
Com a brisa morna ia. 

Com a música 
No ouvido dos lábios, 
Dançando, os astrolábios iam. 

Com primeiros passos andados, 
Tranquilo ficou 
E o céu se acalmou 
E escuro se tornou 
E entre cansaços, descansou. 

E o tudo se mostrou 
O infinito espelho 
Guia macrocósmico de nós, 
Os microcósmicos da Terra.

(GB - 18)

AbSINTO


Dançando
Deixou no cigarro a marca de batom.
Canta como se estivesse em marte,
Gira como se fosse Yansã,
E sofre como se já fosse amanhã.

Como se já conhecesse a maçaneta,
Entra nas ideias de Platão,
Conversa com o Deus de Espinosa,
Abre os olhos como se comesse a fruta venenosa.

Num sonho Freudiano
Reza o alcorão,
Se encontra com Delfos que diz:
“Quando a música acabar, você vai voltar.
Catarse. Cate-se”.

Remando contra a corrente,
O tempo parece disparar
E voltando, se depara
Com o copo de absinto
Que devolve o olhar.

Na boate, 
O cigarro manchado de vermelho
Sangue descansa sobre a mesa. 
E o começo da manhã se funde
Entre laranjas e vermelhos,
Azuis e violetas.

Afogou a madrugada 
Em entorpecer,
Bebendo jazz,
Escutando o chão,
Deitada no que disse ser vinho.

(GB - 18)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Estômago

Sabe aqueles dias frios
Que não sabemos como respirar?
A geada vem bem de mansinho
Com as asas das borboletas a girar
Dentro do meu estômago.

Paralisa os joelhos
Quando há o encontro no olhar,
Não sei se é agora ou mais tarde
Que isso vai funcionar...
Talvez só quando a noite acordar.

A marca de batom na fumaça do cigarro
Em tons de cinza,
Um tom no contrabaixo.
Em dias cinzas
Os bêbados saem para as ruas
Gritar poesias.

Somente os dedos de um músico
Conseguem se mexer na Cidade Frio.
Uma entrega,
Um pacote vazio,
Um beijo gelado,
Um calafrio.

Na estrada há um trem,
No asfalto alguém vem
Contar que hoje
A noite vai gear.

A marca de batom na fumaça do cigarro
Em tons de cinza,
Um tom no contrabaixo.
Em dias cinzas os bêbados saem para as ruas
Gritar poesias.
Gritar que a noite vai acordar
Com o olhar a entregar
Todo o meu frio.

(GB - 18)

Universos Condensados

Ela anda achando que o mundo não é seu
Ela anda achando que nada lhe pertenceu.
Como nuvens, tudo escapa de sua mão.
Com a chuva, o mundo pinta o chão
De luzes nesta noite quente,
Tudo o que vê à frente
É onde pode se agarrar,
Se segurar
E esperar...

Tudo parece estar por um pequeno fio,
Como um botão acionado pela mão
A vida gira
Como um carrossel,
Mas ainda bem que tenho o seu mel.

Em um toque,
Por favor troque
Em universos condensados.
E num toque,
Por favor troque
Em universos.
Unindo os versos,
Tudo se faz perto,
Claro e quente
Como o sol.

Ela anda achando que pisa em falso
Ela anda achando que tudo está exausto
De cantar por este lugar,
De se encantar com este luar
Ao procurar um outro mar.

Mas e num toque
Por favor me mostre
Como é se achar.
Em um toque me segure
Para não desabar.

Unindo os versos,
Tudo se faz perto,
Claro e quente
Como o sol.

(GB - 17)

Instante Frio

No cair de uma tarde fria, caminho pela rua. Meus passos rápidos e constantes para evitar o atraso se misturando com os passos de outras pessoas. Carros, lojas, cachorros, casas, pessoas, vidas... e o frio, o vento, a sensação congelante. A música que ressoa em meu ouvido aumenta ainda mais essa sensação.

Era disso que eu sentia falta, que meu interior precisava. O frio é a única sensação com que posso contar, pois é a única prova de que ainda estou viva, mesmo sendo apenas a ausência do calor. E é na ausência dessa vida (que as pessoas dizem ser o calor) que me sinto viva.

Pessoas me olham e imagino o que pensam de mim, para onde vão, quem são e quais são suas tristezas. Talvez me olhem sem me ver, ocupadas e distraídas em seus pensamentos, seus olhos buscam apenas algo para apoiarem seus olhares, para pousarem seus olhares. Um apoio para que seus olhares não demonstrem o que suas cabeças pensam, o que sentem. As pessoas têm medo disso. Elas gostam deste frio? Temo que não...



Então acontece. Então algo muda. Sinto um cheiro que me faz lembrar de uma sensação, de um passado, uma angústia do passado que tinha aquele cheiro, choros e pessoas, o cheiro do choro daquela pessoa. Aquele instante suspenso que fez o compasso do tempo mudar e não foi um déjà vu, foi um outro tipo de instante suspenso, um outro tipo de relance.

A noite cai, as luzes da cidade brilham criando desenhos abstratos, riscos e faíscas em meus olhos úmidos à medida que pisco. As pessoas ainda não se acostumaram com o escuro ou com o frio (Ou com a ausência da luz e do calor).
Distraída e ocupada com pensamentos, meu olhar pousa em alguém, nos olhos desse alguém e aqueles olhos azuis me despertam, traz um outro instante suspenso. Traz à tona outros olhos azuis de um outro inverno que talvez eu tenha me esquecido...mesmo sendo inesquecíveis. Então minha mente se esvazia. 

Ainda de mente vazia, no silêncio da noite fria em meu quarto, com lágrimas vazias colando meu rosto na fronha. Fito o escuro e escuto atentamente ao silêncio que agora me conforta com essa desconfortável  sensação de vazio, mas sempre esperando o inesperado trazer um conteúdo para minha alma, e encher novamente essa vazia mente com sentimentos e pensamentos que, mesmo sendo perturbadoramente confusos, me confortam. 

Me confortam, porque me sinto em uma certa estabilidade com minhas confusões e paranóias instáveis. Não, ainda não aprendi a lidar com esse fluxo de pensamentos e sentimentos que deixam-me de mente e alma viva. Mas me acostumei e quando nos acostumamos com algo, nos sentimos em casa.

O vazio é pior. Uma mente silenciosa e escura é pior. Não sou acostumada com a estabilidade. A não-confusão me assusta.

(GB - 15)

Anacruse

Na anacruse de meu tempo
Sempre chego antes mesmo de estar.
Quando olho sem ver,
Pode saber,
Flutuando no futuro instante,
Instavelmente a viajar.

Me pego vendo que,
Neste instante, instou
Na instabilidade da instância 
Entre ventos e sóis.
Pois gosto das coisas
Em seu estado esvoaçante
Como as palavras
De um instante.

Nunca estou,
Instou.
Até tudo desabar
Pela bomba do tempo.
Quando desaba,
Voltar quero a viajar,
Mas na métrica ainda estou
A frente de entrar,
Chorando pelo que não chegou,
Chegando onde ainda não se mostrou
Destino.

(GB - 18)

Estrelar

Mundos e astros pendurados,
As gotas do leite despejado,
Por fios em pêndulos
Rodeiam minha cabeça
Querendo mostrar que ainda estão lá.

Dão-me as boas vindas
Ao ar puro,
À noite,
Ao que não se vê,
Ao desligar-se do ritmo.

Só se mostra a quem se apaga:
Ao acender a luz, se escondem
Da insanidade do mundo
Que, aceso, se desliga
Do que realmente reluz.


(GB - 18)

Carta de um violão

Passo meus dias tentando decifrar o código do nosso encontro e descobrir a fórmula para poder sempre reconstruir a balsa quando ela ameaçar apodrecer.

Seria o fogo do sol que aquece nossa pele ou o frio que nos aproxima? Seria o movimento das ondas ao vento ou seria ou tato que sente o outro ao lado?

Será a música que nos guia para a costa?
É sempre o som que vai construindo em passos, e a cada passo entro e mergulho.

Como no sino, o vento conduz a melodia. O vento que se abriga em nossa inspiração e que move a vela na vastidão negra do mar. Nesta casa você já esteve, pois na história já está escrito, como o entalhe que você me fez, em códigos tão profundos não estabelecidos em apenas uma jornada.

Nunca se esqueça que você pode construir minhas curvas em madeira e som, que no oco desta casa você pode se encontrar e se abrigar da tempestade.


(GB - 17)