segunda-feira, 29 de abril de 2019

Metá Metá




Una, dupla
Bi não binária
Panteísta siamesa
Lunática e telúrica
Porta que abre, porta que fecha
Brasa líquida, lama de pedra
Metá metá metamorfose
Constrói ninho em concreto
Oculta a morte que nasce
Redemoinho em brisa mansa
Deserto no cais
Caos e calmaria
Sã em gritaria
Amaria, se não tivesse torpor
É o umbigo que centra a ambiguidade dentro
Borbulha cria se tivesse atividade
Expansão contraída
Ventania e lágrima escorrendo pelas beiradas
Coração que pesa de tanto calor
Pulsa e para
Pulsa e para
Transmuta, muda
É peregrino, estrangeiro, viajero
E embarca, barca casa em si
Guarda tudo dentro pra expandir
Metá metá metamorfose
Fruto provido entre macho e fêmea
Numa linhagem geracional, gerou-se a própria linha:
A corda bamba
Só não caia!

(GB - 20)

segunda-feira, 15 de abril de 2019

E se eu te dissesse 
Quer ainda não me conclui em você? 
E se eu te dissesse
Que ainda sinto teu cheiro, 
Mesmo não tendo descoberto 
Teu cheiro mais seu? 

Meu sentido mais primitivo 
Queria conhecer a mais primitiva versão de você 
E penetrar nela. 
Sim, penetrar. 
Mergulhar em você
Molhada e quente. 
Te preencher inteira até o fundo. 

Passear por você
Até que as nossas texturas rugosas
Entrem em contato tal, 
Em fricção tal 
Que se esquentem, 
Virem fogo, 
Se percam, 
Se pequem 
Uma na outra 
Como se estivessem dançando. 

E a gente poderia desejar o mundo 
Quando chegássemos ao êxtase, 
Juntas. 
Juntas, eu teria o mundo. 
Juntas acabaria o mundo em nossos pés.

Então não confundiríamos mais a realidade, 
Porque ela já não é.
Ou é?
Quando se está no ápice, 
O todo somente é
No agora. 

(GB - 20)

Engulo

Por que tem que ter alguém
Pra me fazer alguém?
Por que a permissão?
Perfeição?
Me falta garganta: 
Arranquei minhas amígdalas fora,
E as cordas?
São de seda, qualquer deslise elas rompem
E calam.

Nasci de parto em pleno grito interrompido.
Mas escorro palavras,
Escorro mundo pelo corpo todo,
Estou o tempo inteiro a ponto de transbordar
Pelas beiradas,
Pelas frestas,
Pelos buracos.

Fui eu que criei esses portões, 
Tranquei com chaves
E as engulo.
Só às vezes escapa,
Mas daí engulo.

Me sabotei,
Abotoei meu peito prendendo tudo dentro,
Porque faltam ouvidos,
Faltam outros assumindo seus ruídos,
Assim como eu.
Mas só há línguas, 
Línguas 
E mais línguas,
Todas de estilete 
Que cortam meu verbete.

Então arranquei minha fala,
Me aprisionei em mim,
Faltou ouvido. 

(GB - 20)
Vi, 
Vai chover.
Volto pra casa,
Pego contas laranjadas,
Peço que guiem.
Saio.

Só para lembrar que sou filha da ventania
Só para lembrar que também sou tempestade
Só para lembrar que vôo e desaguo
Só para lembrar que movimento
E que quem gera movimento é o caos

Mãe, perdão por reclamar da chuva,
Eparrei!

(GB - 20)

Assanha

Aqui dentro é briga
De eu e de mim
Garota atrevida,
Aquieta!
Aquieta a alma,
Não beba,
Vá pra cama,
Coma direito,
Aspire silêncio,
Se guarde 
Como porcelana.
Ei! Que moça inquieta!
Sou um corpo no mundo
Que carrega bicho dentro
Intrépida, atrevida, assanhada.
“Tem cara de boba”,
A moça disse,
“Mas menina tímida que nada, 
Vira monstro,
Ela tem Iansã, Eparrei!
É bruxa velha,
Até suga o olhar da gente”
E você, vê menina ou mulher?
Domino os bicho dentro de mim.
Nasci de garganta 
E ainda quero calar?
Mas se me soltar,
Viro rastro,
Saio na gira.
Juro que sou menina
Pronta pra ouvir,
Mas quando ponho a falar,
Vou até me cansar.
Menina ou mulher?
Um corpo que é solto,
Mas já é abrigo.

(GB - 20) 

Dionisíaca

Nos lábios trago mancha roxa 
Dionisíaca,
Bochechas rosadas etílicas,
No pescoço contas douradas,
Atrás da orelha um ramo,
Nos pés a gira
E nas mãos, ciganas runas.
Defumo uma voz que instiga,
Cristalino um suspiro que corre
Pelas beiradas de mim.
A chama queima,
A mim chama
Um rezo,
Um tom
Entoar.

(GB - 20)
Que seja recíproco 
Ou que eu seja,
Ou seja,
Me lembre de mim!

(GB - 20)

Mundo só coração

Menina paixão,
Como ter um coração só?
Menina paixão de um mundo só:
Conhece um olhar de longe,
Sente cheiro de flor
E sabe o brilho que entra no céu 
Quando é luar.
Só quer guardar
Tudo em si.
Soca, espreme, enfia tudo dentro,
Mancha tudo de lágrima,
Mas que cabe, cabe!
Coração fica pesado,
Mais bate,
Bate no batuque do tambor.
Acorda em acordes,
Gira em penhascos,
É pomba que não quer pousar.
Gira e Gira.
Até vazar.

(GB - 20)

BT

O caos
O cal frio
Calafrio 
Sobe pela espinha
Espia

O minério escapou do corpo
Só sobrou água 
Só sobrou lava
Só sobrou lama 
Borbulhando
Ritmo acelera, 
Me frita no óleo frio
Gelado 
Borbulho

Respirar é grande
Não cabe 
Andar é lento
Flutua 
A cabeça é chumbo 
Pesa
Tudo é nítido 
Tudo é visível
Audível

Há luz vibrando 
Há facas cortando
A pele por dentro
Carne dilacerada
Pulso magma
Ouço voz e vejo a maldade

Bichos querendo voltar
Escapar pelo esôfago 
Mas só há vazio dentro 
Vazio borbulhando
Acelerando
Ápice 
Energia escapada  
Dimensão alterada
Expansão exacerbada

(GB - 20)

Cíclica

Viva!
Mal caibo em mim.
Ímpeto ar que corre na veia.
Criança mimada,
Sereia. 
Água-viva brinca.

Medusa,
Mãe.
Seduza.
Eu jorro
Líquida em flor.
Maré eu broto.

Nua me rasgo,
Inchada me passo,
Erupções.
Um grito.
Espero.

A lua desce:
Movimento cósmico
Céulular
Corpo à fio.
Na linha,
Na linhagem. 
Cresco.

Sonho com morte
De pombos e amores.
Desperto a alma:
Cresceu um dente
Rasgando a arcada.

Inspiro fogo fundo,
Expiro água lenta.
Cheirando a Jasmin,
A infância renasce, 
Útero acolhe.
Encolhe.
Sobe.

O fogo purifica,
A morte avisa,
A água gesta,
O ar vivifica.
Viva!

(GB - 20)

Tecelagem



Encontrei um cheiro de nostalgia no fundo da gaveta.
Qual lugar as pessoas escolhem para se eliminar,
Vazar
E perceber o quanto estavam cheias?
Ansiosa para preencher-me,
Carrego o peso do mundo sobre mim
Me transpassando
Como fios de conexões, 
Sendo minhas próprias entranhas, 
Minhas tripas,
Meus neurônios, 
Massa cinzenta. 
Cinzento...
De noite é luta aqui dentro. 
Vazio,
Mas há ruídos.
Penumbra,
Mas está uma bagunça.
Emaranhado de fios e pedras, 
De silêncios e barulhos.

(GB - 20)